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Canal de YouTube voltado para cegos diverte e esclarece preconceitos

Fenômeno da internet, jornalista Marcos Lima migra das palestras para a plataforma social para desmistificar, com humor e reflexão, como é a vida da pessoa com deficiência visual
publicado: 29/05/2019 09h28, última modificação: 29/05/2019 09h29

Dina Melo

Bastam um tripé, ora um sofá e uma parede branca de fundo. O enquadramento fixo às vezes não favorece, de tanto que o protagonista gesticula e vai escapando do cenário. Não importa. Quando a voz saúda os quase 190 mil seguidores com o conhecido “Bom dia, boa tarde, boa noite!”, em acento, e visual, de dublador de cinema incompatíveis para os seus 36 anos de idade, é mais um vídeo novo do canal Histórias de Cego que entra no ar.

Na contramão da onda de “superprodução” que move os youtubers na busca por fama, sucesso e o improvável estrelato, o jornalista carioca Marcos Lima prova que uma boa e divertida conversa, despida de “ismos” e do famigerado coitadismo de que se veem vítimas os deficientes, é o melhor atalho para alcançar o público jovem – mesmo abordando o delicado tema da deficiência visual.

Marcos é formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Perdeu a visão aos 5 anos de idade, em decorrência de um glaucoma congênito. Em uma das postagens na rede social, conta que a perda da visão foi uma das melhores coisas que lhe ocorreu, visto que as cirurgias de reparação dos sintomas da doença prolongaram a dor num primeiro momento, mas abriram as portas para uma percepção de vida inteiramente nova quando enxergar foi uma porta que se fechou (uma das decorrências do glaucoma é o aumento da pressão intraocular, que a depender do grau, sacrifica a visão do paciente). Freqüentou bons colégios da capital carioca, reabilitou-se no consagrado Instituto Benjamin Constant, e a partir destas experiências sociais, enxergou o peso da diferença – para os bons e maus aspectos da vida.

O Histórias de Cego é um apanhado de muitos casos, revisionais, cotidianos e filosóficos, sobre como é viver subtraído um sentido. No nível do dia a dia, ele fala de como usa o transporte público, viaja, usa a internet, faz refeições, explora e lê o mundo. Mundo que Lima desbravou primeiro em jornadas esportivas internacionais como jogador de futebol e até esquiando no gelo. Depois, aqui no Brasil, como palestrante.

“Nas palestras, me deparava com um público entre 50 e 100 pessoas. Já a internet não tem limites: meus vídeos já foram vistos mais de 4 milhões de vezes. É uma ferramenta que permite me comunicar com as pessoas e lhes mostrar que a pessoa com deficiência pode ser quem ela quiser, e que a cegueira me explica em alguns aspectos por causa da falta de acessibilidade e do preconceito; mas não me define enquanto pessoa”.

Ele também foi um dos fundadores da Urece Sport e Cultura, uma associação que desenvolve atividades esportivas e culturais para pessoas com deficiência, sobretudo visual, e trabalhou no Comitê Organizador dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos da Rio 2016. “Não que eu me ache o porta-voz das pessoas cegas, mas quero apenas mostrar que faço coisas comuns. Aos poucos, fui recebendo feedbacks de familiares, dos próprios deficientes que estavam gostando das postagens. Mães que viam em mim um alento para um filho cego, pessoas que estão perdendo a visão e que veem em mim uma força”, finaliza.