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Instituto dos Cegos da Paraíba completa 75 anos de fundação
Dina Melo
A primeira escola para pessoas com deficiência visual criada na Paraíba completou em maio 75 anos de existência. O Instituto dos Cegos da Paraíba Adalgisa Cunha (ICPAC), primeira casa de reabilitação para aqueles que nasceram cegos, ou perderam a visão durante o curso da vida, realiza em torno de 5 mil atendimentos por mês nas instalações localizadas no Bairro dos Estados. É uma vitória ainda mais notável considerando que a casa esteve prestes a fechar as portas por falta de recursos, em 2008.
Adalgisa Cunha batiza o instituto devido a sua longa dedicação em prol dos cegos - muitos relegados à situação de miséria nas ruas e sem direito a qualquer formação educativa ou profissional. Inspirada no modelo do secular Instituto Benjamin Constant, no Rio de Janeiro, ela decidiu abrir o ICPAC em João Pessoa em 1944, que começou funcionando como internato.
"Muitas famílias que vinham do interior não tinham como acompanhar na capital o desenvolvimento escolar dos filhos - tampouco as suas cidadezinhas de origem reuniam as condições de oferecer um bom ensino adaptado. O internato era uma saída", compara José Antônio Ferreira Freire, presidente da instituição, que ficou cego aos 16 anos após sofrer uma queda numa partida de futebol. Este regime de ensino, consolidado no Brasil até as últimas décadas do século passado, se dissolveu para dar lugar à atual visão de ensino inclusivo, com todos os alunos frequentando a mesma sala de aula.
Kelly Silva, 26 anos, frequentou o instituto entre 2008 e 2009. Entrou quando tinha 15 anos e ainda enxergava; a distrofia na retina e a retinose pigmentar acabaram por deixá-la cega. "Morar no internato foi como aprender a desbravar um mundo novo. Até chegar lá, lidava com muito bullying na escola devido à deficiência", lembra. No instituto, Kelly foi alfabetizada em Braille, conheceu o goalball e aprendeu atividades que lhe ajudaram a desenvolver a autonomia. Foi lá onde também conheceu o futuro marido, Ibrain, também cego. "A estranheza de sair de casa [onde vivia com a mãe e três irmãs] foi logo superada pela sensação de estar entre iguais. Estar na instituição me estimulou a seguir os meus sonhos e que, para alcançá-los, nada me seria impeditivo", reconhece a moça, prestes a se formar em Turismo.
Visão inclusiva
O ICPAC não atende apenas os deficientes visuais, como também crianças com microcefalia, déficit intelectual e alguns casos do transtorno do espectro do autismo. "Recebemos de bebês até idosos com uma equipe multidisciplinar, que consta de clínico, oftalmologista e psiquiatra, mais enfermeira, psicólogo, assistente social, pedagogo, psicopedagogo, educador físico, musicoterapeuta, terapeuta ocupacional, fonoaudiólogo e fisioterapeuta", lista Valéria Carvalho, vice-presidente.
Os serviços abrangem um rico espectro, condizente com as especificidades do universo da deficiência. Incluem apoio psicológico (para o usuário e família), psicoterapia, estimulação visual, ensino do Braille [sistema de escrita em alto relevo em que cada caractere em tinta corresponde a um sinal perfurado numa célula de três linhas por duas colunas] orientação e mobilidade, musicoterapia, atividade motora, esporte (natação, futebol de 5, goalbool, atletismo, judô e capoeira), além de outras atividades.
Atualmente, a ONG se sustenta por meio de convênios firmados com as Secretarias de Saúde e Educação de João Pessoa e de Desenvolvimento Humano Social, do Estado. Mantém projetos de empregabilidade de 78 pessoas com deficiência, segundo Valéria Carvalho, e projetos com o Ministério Público do Trabalho e Tribunal de Justiça. Ainda assim, também precisa de doações (o telefone para contato é 3244-6220).
Afeto com o passado
"O instituto foi a casa que me acolheu entre 1990 e 2005, época em que ainda existia o internato. Como era de Itabaiana, só voltava para a minha família a cada 15 dias. Sou eternamente grata por tudo o que aprendi, porque esta vivência construiu a base para a minha formação em pedagogia, a profissão que hoje exerço", reconhece Mileide Moreira, 34 anos, hoje em busca da segunda graduação, em Jornalismo.
"Perdi a visão aos 10 anos de idade. A minha família ainda tentou algumas cirurgias de reversão, sem sucesso. Cheguei ao ICPAC em 1989, aos 13, para continuar os estudos - desta vez sem a visão. E posso dizer que foi lá que aprendi a ressignificar como seria a minha vida a partir de então: me tornei independente com as aulas de orientação e mobilidade, me envolvi com a música - mas foi principalmente no esporte que encontrei a minha vocação [Legy foi campeão nacional três vezes no Futebol de 5 e representou a Seleção Brasileira de Goalball como pivô por dez anos, onde correu o mundo, conquistando o Aberto de 2006 na Argentina e o bronze no Mundial no Brasil, um ano depois. Ainda hoje pratica os dois esportes]", ressaltou Legy Pedro Freitas, 42 anos.