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O retorno de um professor à sala de aula
AUTOR: FLÁVIO RAMALHO DE BRITO
Castro Pinto, naquele momento, não residia na Paraíba. Era redator de debates no Senado Federal. Tivera uma passagem marcante pela Faculdade de Direito do Recife,
que pode ser traduzida pelas palavras de Clóvis Beviláqua, um dos professores mais conceituados da instituição, que o considerava “orador brilhante, erudição notável, figura de destaque”. Ainda ao tempo de estudante, Castro Pinto fora um dos principais líderes abolicionistas da Paraíba, com atuação ativa na região de Mamanguape. Com a instituição da República, fez parte da Assembleia Constituinte que elaborou a primeira Constituição da Paraíba e, com a derrubada do governador Venâncio Neiva e o fechamento da Assembleia Legislativa assumiu, por certo período, posição de oposição a Álvaro Machado, o novo Presidente do Estado, e depois se transferiu para o Rio de Janeiro.
A chegada à Paraíba do novo professor do Liceu era anunciada, com destaque, pelo jornal “A União”:
A nomeação de Castro Pinto para o Liceu fazia parte da estratégia do agora senador Álvaro Machado de arregimentar para o seu grupo político alguns destacados oposicionistas e, assim, Castro Pinto foi eleito para a Assembleia estadual pelo chamado alvarismo. Além das suas atividades parlamentares e de professor do Liceu, Castro Pinto ensinava Filosofia do Direito em um curso gratuito preparatório para a Faculdade de Direito do Recife que era promovido pelo Clube que levava o seu nome e que, por sua solicitação, passou a se denominar “Centro Litterario Parahybano”. Após passar um tempo na Paraíba, inconformado com atos arbitrários praticados pelo então Presidente Gama e Melo, Castro Pinto rompeu com o governo e renunciou ao mandato de deputado e, em represália, foi demitido do cargo de professor do Liceu. Mais uma vez, Castro Pinto teve que abandonar a Paraíba.
Como uma ave de arribação, Castro Pinto andou por vários lugares, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Ceará e, por fim, o Pará, onde se fixou mais demoradamente. Em Belém, foi secretário do Presidente do Estado, atuou destacadamente na imprensa local e continuou a sua carreira de professor, ensinando em duas instituições da cidade as cadeiras de História do Brasil, Geografia e Lógica e sendo examinador de Português. Após dois anos no Pará, não se submetendo às injunções políticas locais, deixou Belém e retornou à Paraíba e, em 1901, foi reintegrado ao Liceu Paraibano assumindo a cadeira de Literatura. Mas, durou cerca de dois anos a permanência de Castro Pinto nas terras paraibanas. No início de 1903, ele já se encontrava no Rio de Janeiro, atuando como advogado e, também, como professor de Geografia no Ginásio Nacional (o nome que a República dera ao Colégio Pedro II).
Em 1906, Castro Pinto foi eleito deputado federal pela Paraíba. Na sua primeira intervenção na tribuna da Câmara se apresentou como um representante do magistério brasileiro:
O deputado paraibano ressaltou, no seu primeiro discurso na Câmara, a importância do professor para a modificação do quadro do ensino no País:
Na Câmara dos Deputados e, depois, no Senado, Castro Pinto pautou a sua atuação parlamentar pelo enfoque de assuntos constitucionais e temas relacionados com a Educação. Em 1912, Castro Pinto foi escolhido candidato de conciliação ao governo
da Paraíba pelos dois grupos políticos antagônicos que se abrigavam no partido governista, o do Ministro do Supremo Tribunal Federal Epitácio Pessoa e o dos liderados pelo já falecido senador Álvaro Machado, que era comandado pelo padre Walfredo Leal.
Ao assumir o governo da Paraíba, Castro Pinto estabeleceu que três áreas da administração estadual ficariam fora das interferências políticas: a justiça, o fisco e o magistério. Ao contrário de muitos políticos que fazem a defesa da Educação apenas como instrumento de retórica, “da boca pra fora’, Castro Pinto promoveu no governo, mesmo com a limitação dos recursos disponíveis, várias importantes iniciativas no âmbito educacional e cultural do Estado.
Uma das primeiras e mais inovadoras medidas adotadas pelo novo Presidente do Estado foi a criação de uma Universidade Popular. Nascido na Europa, o modelo de Universidade Popular visava à formação cultural e política dos trabalhadores e, na época, vinha de experiências exitosas em cidades da Itália, como Turim, Milão e Gênova. A primeira tentativa de implantação de uma Universidade Popular no Brasil, ligada ao movimento operário do Rio de Janeiro, não havia sido bem sucedida. Menos de três meses após assumir a Presidência do Estado, Castro Pinto, em sessão solene realizada no Teatro Santa Rosa, presidiu a instalação da Universidade Popular da Paraíba que visava promover o ensino através de “conferencias, prelecções e projecções de vistas cinematographicas, diffundindo a universalidade das sciencias no seio das classes proletarias”.
Castro Pinto, na sua primeira mensagem à Assembleia Legislativa, afirmava que “somos um paiz de diplomados, que em regra geral sahem dos respectivos cursos completamente alheios á profissão que vão exercer”. Partindo da constatação de que na Paraíba o ensino era “quasi exclusivamente theorico, em detrimento da educação integral e effectiva”, o governo instalou, como um anexo ao Liceu Paraibano, uma Escola de Comércio, que foi o primeiro curso profissionalizante do Estado. Tamanha foi a receptividade dessa Escola de Comércio que Castro Pinto decidiu criar um novo curso profissionalizante, de Agrimensura, o que acabou não ocorrendo em virtude de sua saída do governo.
Ao término do seu primeiro ano de governo, Castro Pinto informava à Assembleia estadual as principais providências que havia tomado com relação à Instrução Pública, destacando o incentivo ao ensino noturno para possibilitar o acesso dos trabalhadores à escola:
Outra medida importante determinada por Castro Pinto foi a solicitação a Tavares Cavalcanti, professor do Liceu, para que elaborasse um Epítome da História da Paraíba
para ser adotado nas escolas da educação básica do Estado. Esse pequeno livro de 110 páginas teve grande importância na formação de muitos estudantes paraibanos, como foi o caso do cronista Gonzaga Rodrigues, que escreveu:
A Biblioteca Pública da capital do Estado recebeu, também, a atenção do Presidente Castro Pinto, que para ele era um “simulacro de repartição publica, triste exemplo de decadência [...] Encontrei-a nas mais desoladas condições”. A Biblioteca Pública foi reformulada e, nas palavras do Presidente do Estado, “Fez-se seleccionar os livros que ainda podiam ser utilizados, organizou-se a relação dos restantes, e adquiriram-se novos”.
Andavam a educação e a cultura do Estado nessa grande revolução quando, no início de 1915, realizaram-se as eleições federais, para senador e deputados. Não houve entendimento na agremiação governista para a formação de uma chapa única e os dois grupos que disputavam o controle partidário foram para a disputa, cada um com os seus candidatos. Castro Pinto manteve-se isento no processo eleitoral.
Para o jornalista Assis Chateaubriand, Castro Pinto “presidiu as eleições mais limpas e decentes que assistimos em nossa terra. Era, na província, um educador, permanente, ensinando a seus concidadãos no exercício do governo popular, que ele interpretava e realizava no sentido mais largo da palavra”.
A isenção de Castro Pinto nas eleições desagradou os perdedores e os vencedores do pleito. Uns, alegando a falta de apoio que não tiveram e, os outros, porque reivindicavam a derrubada de pessoas ligadas aos derrotados de cargos na administração pública. Para o escritor Octacílio de Queiroz, “em meio à semi-barbárie da política paraibana, de desvairadas ambições pessoais, de clãs e corrilhos daquela época, e, ainda de hoje, da influência majestática e agressiva de Epitácio Pessoa e do conservadorismo valfredista, não havia lugar para o neutro”.
Após as eleições, a situação de Castro Pinto tornou-se insuportável. Segundo o historiador Horácio de Almeida, “as críticas descambavam para o pior dos achincalhes. Sua situação era difícil, vigiado de um lado e alvo do outro por uma campanha de injúria e ridículo, como nunca houve igual na imprensa da Paraíba, contra um chefe de Estado”. Castro Pinto, amargurado, renunciou ao governo, abandonou a política e nunca mais colocou os pés na Paraíba.
Durante anos, o nome de Castro Pinto ficou numa espécie de limbo, rememorado em raras ocasiões: quando houve a sanção, em 1960, pelo Presidente Juscelino Kubitschek de projeto do Congresso Nacional dando o seu nome ao aeroporto da Capital; com a publicação, em 1982, de uma antologia dos seus discursos parlamentares pela Câmara dos Deputados; e com a sua inclusão, em 2000, nos opúsculos “Paraíba Nomes do Século”. Depois, sobreveio um novo esquecimento, o que fez com que uma parlamentar paraibana, por absoluta ignorância da História da Paraíba, chegasse ao absurdo de apresentar um estapafúrdio e descabido projeto de retirada do nome de Castro Pinto do principal aeroporto do Estado, o que teve a imediata e rigorosa reação de alguns dos nossos mais destacados intelectuais e o repúdio das principais instituições culturais do Estado.
No último dia 17 de novembro, no encerramento da disciplina “Imprensa, História e Educação” do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal da Paraíba, por sugestão da aluna Ana Almeida, sob a condução da professora Fabiana Sena e com a participação do professor Charliton Machado, o livro “O Tribuno – Castro Pinto e sua Época”, publicado no primeiro semestre deste ano, foi o tema da aula final do curso. Estive, na ocasião, juntamente com o poeta e ensaísta Sergio de Castro Pinto, debatendo com os professores e alunos as inovadoras e pioneiras medidas adotadas pelo Presidente Castro Pinto, há mais de um século, para a melhoria da educação na Paraíba.
Depois de mais de cem anos, o Professor Castro Pinto retornou à sala de aula.