Publicado por Raymara Agra
EDUCAÇÃO DE ADULTOS EM RETROSPECTIVA 60 anos de CONFINTEA
“Sessenta anos de CONFINTEA: uma retrospectiva”
Ireland, Timothy.
Belém: a sexta conferência internacional da UNESCO (2009)
Os preparativos para a VI CONFINTEA foram iniciados após a 33 C/Resolução 5 e 175 EX/Decision 9, que formalmente convidou o Diretor-Geral para tomar as providênciasnecessárias para organizar a Conferência, adotadas pela 33ª Sessão da Conferência Geral da UNESCO. Em seguida o diretor-geral anunciou ter aceito a oferta do Governo do Brasil para sediar a Conferência. O processo preparatório foi estruturado com base em três componentes fundamentais: relatórios nacionais e regionais, Conferências Regionais e o Relatório Global junto com um Marco de Ação a serem apresentados e aprovados na Conferência.
Como no processo preparatório para Hamburgo, o UIL enviou em 2007 um roteiro/questionário para orientar a elaboração dos relatórios nacionais, recomendando que sejam elaborados de forma participativa e, quando possível, validados em um encontro nacional. Dos 193 Estados-membros da UNESCO, 154 produziram relatórios. Os relatórios nacionais constituíram insumos essenciais para a elaboração dos relatórios regionais. Esses documentos foram apresentados e formalmente validados nas cinco Conferências Regionais preparatórias.
A estrutura e os objetivos das Conferências Regionais Preparatórias foram bastante similares: discutir e validar o relatório regional ao tempo em que buscaram identificar as questões-chave relacionadas com a aprendizagem e educação de adultos na sua região e formularam as recomendações e estratégias a serem submetidas à Conferência Global. A primeira conferência a ser realizada foi a da América Latina e o Caribe na Cidade do México (em setembro de 2008), seguida por Ásia e o Pacífico em Seul, Coréia do Sul, (em outubro de 2008), África em Nairóbi, Quênia (novembro de 2008), Europa, América do Norte e Israel em Budapeste, Hungria (dezembro de 2008) e, por último, os Estados Árabes em Tunis, Tunísia (janeiro de 2009) (UNESCO, 2009).
O terceiro componente do processo preparatório é constituído pelo GRALE. Elemento tradicional da preparação de todas as Conferências Internacionais anteriores pelo qual se tentava chegar a um estado da arte mundial em educação de adultos, o GRALE foi anunciado como o primeiro de uma série regular de relatórios com a missão de monitorar os compromissos de Belém e também de incentivar uma coleta de estatística e informação mais detalhada e precisa sobre a educação de adultos mundialmente, nos moldes do Relatório de Monitoramento Global (Global Monitoring Report – GMR). O primeiro GRALE utiliza as informações e análises dos cinco relatórios regionais em conjunto com estatística comparativa e dados de pesquisa.
O relatório evidencia a conhecida e histórica diversidade do campo da EDA que abrange programas de alfabetização, educação compensatória ou equivalência, cursos dedicados à formação vocacional e técnica, programas voltados para o desenvolvimento de habilidades para a vida e acesso às novas tecnologias de comunicação e informação (TIC), entre outros. Afirma os baixos índices de participação e o acesso desigual às oportunidades de aprendizagem. O relatório reconhece que a aprendizagem ao longo da vida permanece mais como visão do que realidade embora possua uma influência mais tangível nas políticas de EDA nos países industrializados, onde também penetra outras áreas de política pública com interface com a educação de adultos. Em geral, a evidência mostra que inexistem fontes de financiamento estáveis que se refletem na remuneração dos educadores e no seu status social. Existe também uma polarização entre uma visão mais instrumental da EDA nos países industrializados, onde a ênfase está na formação de mão de obra para garantir a competitividade das economias, enquanto que no sul ainda existe uma visão mais escolar e compensatória da maioria dos programas de EDA, em que predominam programas dedicados à alfabetização no seu sentido mais fundamental.
Contudo, o próprio relatório reconhece o desafio constituído pela abrangência do campo – na maioria dos relatórios nacionais os dados coletados regularmente cobrem unicamente o setor de educação – e as limitações da própria informação apresentada: “Devido principalmente à falta de coleta regular e sistemática de dados em áreas comuns, a maior parte da informação dos Relatórios Nacionais não é comparável” (UNESCO, 2009). Porém, o GRALE sinaliza avanços significativos na oferta de EDA nos 12 anos desde Hamburgo e representa um trabalho de relatoria passível de aprofundamento e aperfeiçoamento no futuro.
Um elemento adicional criado pelo UIL para servir como caixa de ressonância foi o grupo consultivo. Composto por representantes de governos, da UNESCO e outras agências internacionais e multilaterais, e de organizações da sociedade civil, como a Associação para o Desenvolvimento da Educação na África (ADEA) e o ICAE, o grupo se reuniu pela primeira vez em Elsinore, Dinamarca, em março de 200731 e mais três vezes ao longo do processo. As agências internacionais e multilaterais tiveram uma participação tímida com algumas notáveis exceções – FAO e a Comissão Europeia – que sublinhou as dificuldades de articulação enfrentadas por um campo de ação de caráter multissetorial.
Diferentemente da V CONFINTEA, em 2009, após longas discussões com a sociedade civil organizada, foi decidido manter o espírito estritamente intergovernamental da Conferência de acordo com o regulamento da própria organização32. Assim, embora a sociedade civil tivesse os seus representantes nas delegações nacionais e os seus representantes diretos no caso de organizações formalmente convidadas pela UNESCO33, não havia uma participação avulsa como em Hamburgo. Com o espírito de aprofundar as temáticas propostas pela CONFINTEA e preparar os representantes da sociedade civil para uma participação mais informada e eficaz, o ICAE organizou um seminário online para discutir quatro questões específicas – alfabetização para todos, educação e migração, educação de pessoas adultas no mundo de trabalho e redução de pobreza – e posteriormente, o Fórum Internacional da Sociedade Civil (FISC), antecedendo a CONFINTEA em Belém em dezembro de 200934.
Outro segmento que se mobilizou para a Conferência foi o dos aprendentes, os sujeitos do processo de aprendizagem e educação de adultos. Embora os educandos viessem se organizando desde a década de 90, processo esse que o lançamento em 2000 do movimento internacional dos Festivais de Aprendizagem (Adult Learners’ Week) ajudou a consolidar, foi em 2009 durante a Conferência Internacional na Escócia (de 31/03 a 04/04/2009) que os aprendentes resolveram estabelecer uma rede global de aprendentes adultos e produzir uma Carta Internacional dos Aprendentes Adultos. O painel dos aprendentes e a apresentação dessa Carta, que destacou o direito de todos os educandos adultos de participar no desenvolvimento de políticas para sistemas de aprendizagem ao longo da vida (Artigo 1º), tiveram ampla ressonância na Conferência em Belém.
A CONFINTEA VI foi originalmente planejada para o período de 19 a 22 de maio, mas, após o alastramento da pandemia da gripe H1N1, o governo brasileiro decidiu, como medida cautelar, adiar a conferência para dezembro. Assim, a Conferência foi realizada no Centro de Convenções Hangar, em Belém do Pará, no período de 1 a 4 de dezembro. Reuniu 1.125 participantes de 144 países, incluindo 55 ministros e vice-ministro e 16 embaixadores e delegados permanentes junto à UNESCO.
Sob o lema oficial “Aproveitando o poder e o potencial da aprendizagem e educação de adultos para um futuro viável”, a Conferência e o Marco de Ação de Belém tiveram dois focos principais: a articulação da “educação” e da “aprendizagem” e a ênfase na questão da implementação de políticas públicas. De um lado, a CONFINTEA VI reforça o conceito da educação de adultos que se originou na Recomendação de Nairóbi em 1976 e que a CONFINTEA V aprofundou. O Marco de Ação de Belém frisa a amplitude do conceito de aprendizagem e educação de adultos como “componente significativo do processo de aprendizagem ao longo da vida, envolvendo um continuum que passa da aprendizagem formal para a não formal e para a informal” e “imperativos para o alcance da equidade e da inclusão social, para a redução da pobreza e para a construção de sociedades justas, solidárias, sustentáveis e baseadas no conhecimento” (UNESCO, 2010, p. 7). Como Lima comenta, o destaque para políticas e práticas de aprendizagem e educação ao longo da vida tem
a vantagem de retornar aos conceitos de educação e de formação de adultos, conceitos esses francamente desvalorizados ao longo da última década no âmbito de discursos e de orientações políticas nacionais e transnacionais, a favor das qualificações, competências e habilidades economicamente valorizáveis (LIMA, 2010, p. 33).
A programação formal da Conferência foi organizada em torno de quatro conferências, cinco mesas redondas, sessões plenárias e uma comissão para receber e debater as emendas encaminhadas ao Marco de Ação complementada por 32 oficinas paralelas. Das mesas redondas, quatro35 se voltavam para questões de implementação – políticas e governança para educação de adultos, financiamento da educação de adultos, alfabetização como competência chave para aprendizagem ao longo da vida e garantindo a qualidade da EDA e avaliando resultados de aprendizagem – refletia a estrutura e o tom de pragmatismo do Marco de Ação de Belém e o objetivo declarado de avançar da retórica para a ação. Os sete eixos do documento versam sobre alfabetização de adultos; políticas; governança; financiamento; participação, inclusão e equidade; e qualidade, terminando com recomendações para o Monitoramento da Implementação do Marco de Ação de Belém. Essas incluem o compromisso de desenvolver um conjunto de indicadores comparáveis, de estabelecer um mecanismo de monitoramento regular para avaliar os compromissos assumidos e de elaborar um relatório trienal a ser submetido à UNESCO. Implícita nisso, está a busca de melhorar a qualidade das fontes e das formas de coleta de dados e informações.
Há pouco mais de um ano da CONFINTEA VI, é precipitado avaliar a implementação do Marco de Ação de Belém, mas é possível pelo menos apontar alguns sinais positivos de ações tomadas para estabelecer mecanismos de monitoramento. No início de 2010, o UIL criou um Grupo Assessor para orientar e apoiar o trabalho de seguimento da CONFINTEA VI. O grupo, composto por representantes de governos, organizações internacionais (agências da ONU e de cooperação, organizações da sociedade civil e associação de aprendentes), e de instâncias da UNESCO, teve a sua primeira reunião em março de 2010 para discutir e aprofundar uma estratégia de seguimento para a Conferência, e a segunda será realizada em maio de 2011. O UIL iniciou discussões sobre uma estratégia global e uma matriz para monitorar a implementação do Marco de Ação de Belém, que foi submetido a um fórum online e depois para uma reunião de expertos internacionais em indicadores36. A Região da América Latina e do Caribe está discutindo uma estratégia que inclui uma proposta de indicadores qualitativos e quantitativos a serem debatidos num Encontro Regional de Monitoramento da Estratégia Pós-CONFINTEA, a ser realizado na Cidade de México em maio de 2011. A Assembleia Mundial do ICAE em junho discutirá a estratégia do Conselho para garantir a implementação do Marco de Ação. O UIL realizou uma oficina em dezembro de 2010 sobre a elaboração e implementação de políticas de aprendizagem ao longo da vida37. O governo do Uruguai criou um comitê nacional para acompanhar os compromissos assumidos em Belém38. Esses são alguns exemplos fragmentados, mas pertinentes de passos na direção necessária.
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