Publicado por Juan Carlos da Silva
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Nós, pesquisadoras e pesquisadores, professoras e professores e extensionistas reunidas na II Jornada de Educação de Jovens e Adultos em Contexto de Privação e Restrição de Liberdade, realizada por meio de plataforma online nos dias 28 e 29 de agosto de 2020, vimos a público alertar para o risco da pandemia ser usado como justificativa para graves retrocessos na oferta da educação para pessoas privadas de liberdade.
No atual contexto de pandemia causada pelo vírus Sars-CoV-2, todas as formas de educação escolar têm sofrido interrupções e tentativas de ajuste às novas condições. As professoras e os professores e as secretarias municipais e estaduais de educação têm buscado meios, os mais diversos, para garantir o direito de crianças, adolescentes, jovens, adultos e idosos à educação. De todos os segmentos da população que têm sofrido restrições do seu acesso à educação, as pessoas privadas de liberdade, tanto no sistema prisional quanto no sistema socioeducativo constituem provavelmente o grupo que mais sofreu e continua sofrendo. Não havendo a possibilidade de ensino remoto usando as tecnologias de comunicação e redes sociais, a pandemia tem significado a suspensão do direito à educação desde março deste ano, além de quase todas as atividades de natureza educativa, cultural e recreativa.
O direito à educação para as pessoas em contextos de privação de liberdade é garantido por um conjunto de instrumentos internacionais e nacionais. No caso do Brasil, a Constituição Federal de 1988, a Lei de Execução Penal (LEP) de 1984, o Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA (1990), Lei SINASE (2012) e Estatuto da Juventude (2013) junto com outros instrumentos mais recentes, garantem o direito à educação básica para todo/a e qualquer brasileiro/a, privado/a de liberdade ou não. Além disso, os mesmos instrumentos garantem à pessoa presa o direito a outras atividades educativas incluindo o direito à leitura e ao livro. Pela LEP, ECA, SINASE todas unidades de privação de liberdade deveriam possuir uma biblioteca com acervo adequado às necessidades e interesses das pessoas privadas de liberdade. No âmbito do sistema socioeducativo, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) – Lei 8.069/90 – assegura à população infanto-juvenil o direito à escolarização e à profissionalização, reiterando em seu Art. 123 a obrigatoriedade da oferta de atividades pedagógicas aos adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa de privação de liberdade. Na mesma perspectiva, o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE) estabelece a garantia da oferta de todos os níveis da educação formal aos adolescentes internados nas unidades socioeducativas, podendo ser prestada tanto por escola localizada no interior da unidade socioeducativa, quanto por escola da rede pública externa.
Estas pessoas têm direito ao atendimento educacional para suprir suas necessidades de aprendizagem formal por meio da oferta de ensino fundamental – incluindo a alfabetização, de ensino médio e, para as pessoas aptas, o ensino superior. Além disso, a educação não se restringe à escolarização formal e, portanto, deveria abranger outras oportunidades educativas e culturais para avançar o seu conhecimento e sua cidadania.
Alertamos para o grande perigo da ‘nova normalidade’ educacional em espaços de privação de liberdade representar um retrocesso com respeito aos direitos conquistados, especialmente com relação às atividades presenciais de educação e às atividades que envolvem a entrada de pessoas de fora das unidades. Entendemos os riscos de saúde para todas as pessoas envolvidas, mas a educação pode e deve contribuir para a segurança sanitária de todos/as os/as educadores/as e educandos/as e dos profissionais que exercem funções nesses espaços. A crise sanitária possui duas dimensões – saúde física e mental – e a educação em toda a sua diversidade constitui uma das melhores estratégias para garantir o bem-estar de todos/as.
A crise aponta para a necessidade de aumentar a oferta educacional ao invés de reduzi-la. Para dar a devida atenção à educação é imprescindível entender que as pessoas em privação de liberdade são dignas de respeito e que, por direito, precisam ter oportunidades de acesso e, sobretudo, de permanência à formação educacional, cidadã, social que lhes propicie uma vivência mais humana.
EDUCAÇÃO NÃO É BENEFÍCIO. EDUCAÇÃO É DIREITO DE TODA A POPULAÇÃO, INDEPENDENTE DA SUA CONDIÇÃO DE RESTRIÇÃO E PRIVAÇÃO DE LIBERDADE.