Cátedra UNESCO de Educação de Jovens e Adultos

Uma oportunidade para reinventar a escola


Uma oportunidade para reinventar a escola
Publicado no dia 25/06/2020 15:51

Em 2020, mais de 1,5 bilhão de estudantes – ou 90% da população estudantil de todo o mundo – têm sido afetados pelo fechamento temporário das escolas e universidades devido à crise de saúde, segundo a UNESCO. As instituições educacionais foram forçadas, de uma hora para outra, a mudar para plataformas de ensino a distância e a criar métodos alternativos.

Poornima Luthra

Educadora da Copenhagen Business School, fundadora e consultora-chefe da TalentED Consultancy ApS, uma empresa de treinamento e consultoria sediada em Copenhague, na Dinamarca.

Com mais de um terço da população mundial sob alguma forma de confinamento devido à COVID-19, a crise de saúde causou uma interrupção sem precedentes na educação. Do jardim de infância à universidade, as escolas em todo o mundo foram fechadas temporariamente, o que forçou os educadores a encontrar métodos alternativos de ensino. É provável que esta situação deixe um impacto duradouro.

“Nós sentiremos os efeitos da COVID-19 sobre os estudantes de todo o mundo até que uma vacina esteja amplamente disponível, no mínimo”, diz Amy Valentine, diretora executiva da Future of School(link is external), uma instituição pública de caridade norte-americana que apoia o desenvolvimento de modelos escolares inovadores. “A forma como os sistemas e as diferentes administrações têm respondido a esta crise terá um feito cascata sobre os estudantes na medida em que eles progredirem, prontos ou não, para novas séries”.

O impacto negativo sobre a saúde mental dos estudantes, afastados da interação social e das rotinas que um ambiente escolar oferece, constitui uma grande preocupação. Até mesmo as gerações saturadas de tecnologia, a Z (pessoas nascidas entre os anos de 1996 e 2015) e a Alfa (pessoas nascidas após 2015), desejam interações sociais e experiências físicas longe de seus dispositivos. Talvez esse seja o maior desafio a ser enfrentado por educadores por meio das plataformas online. “O contato humano é importante quando se trata de educação, especialmente para os adolescentes”, disse um professor de ensino secundário de Singapura. “A maioria dos estudantes certamente prefeririam ir à escola, para se sentirem incluídos em uma comunidade, onde há mais estrutura para sua aprendizagem”.

Com rigorosas normas de distanciamento social em vigor, provavelmente levará ainda um período até que os níveis de interação social retornem aos de tempos anteriores à COVID-19. O impacto disso nas atuais gerações de estudantes poderá ser sentido nos próximos anos. “Quando as escolas reabrirem e prevalecer um senso de normalidade, o trabalho dos educadores será difícil – atualizar os estudantes, preencher lacunas na aprendizagem e oferecer maior apoio social e emocional aos estudantes que necessitem”, explicou Sarita Somaya, professora da educação primária em uma escola internacional em Singapura. 

Para muitas crianças em todo mundo, as escolas proporcionam sua principal refeição do dia. O fechamento força essas crianças a buscarem opções alternativas, geralmente sem sucesso. Gayathri Tirthapura, cofundador e administrador da Tejasvita Trust(link is external) – uma organização sediada em Bangalore que oferece educação a comunidades carentes no sul da Índia –, explica que “as famílias estão lutando para fazer três refeições por dia, e dependem de doadores privados e dos pacotes de auxílio anunciados pelo governo”.

Diplomas recebidos por robôs

No entanto, apesar do cenário sombrio, as instituições educacionais de todo o mundo estão encontrando maneiras criativas e inovadoras para enfrentar os desafios colocados pela COVID-19 – desde a realização de cursos universitários com avatares robôs que substituem os estudantes no Japão, até a utilização de chapéus de distanciamento social na China. Os educadores também tiveram que ser criativos quanto à elaboração do conteúdo, a fim de oferecer aulas de forma envolvente nas plataformas digitais disponíveis.

Para enfrentar a falta de interação social, em algumas escolas, os conselheiros criaram atividades temáticas a fim de envolver os estudantes – alguns educadores chegaram a organizar piqueniques virtuais com suas turmas. Nas escolas rurais, os professores tiveram que pensar em formas diferentes para interagir com os estudantes – muitas vezes por meio de mensagens de texto para os dispositivos móveis dos pais e chamadas telefônicas. Em locais onde as crianças não têm sequer um lápis em casa – muito menos um computador –, os professores precisam ser criativos para encontrar novas maneiras de ensiná-las.

Em países como Estados Unidos, Reino Unido e Nova Zelândia, foram realizados esforços conjuntos para garantir que crianças carentes recebam notebooks, tablets e pontos de acesso móveis. Na Índia, a equipe do Gurushala, um portal de aprendizagem que oferece educação digital para professores e conteúdo para estudantes, explica que “o acesso à educação nunca foi fácil para as crianças de grupos desfavorecidos na Índia. Com a penetração de dispositivos móveis e da internet crescendo a cada dia, deu-se um repentino foco à tecnologia”.

O fim das atividades em grupo?

O que esta crise de saúde significa para a educação no longo prazo? “As salas de aula primárias se tornaram mais clínicas – onde os estudantes não podem compartilhar, usar recursos compartilhados ou trabalhar em grupos, animados sobre um experimento científico. Espero estar enganada, mas será este o fim das atividades em grupo e dos turnos? Voltaremos às salas de aula com a professora lecionando na frente e os estudantes sentados em seus lugares o dia todo?”, pergunta-se Taryn Hansen, professora da educação primária em Perth, na Austrália Ocidental, onde as escolas reabriram no final de abril.

Sankalp Chaturvedi, professor associado na Imperial College Business School, em Londres, acredita que “no longo prazo, o ensino superior ainda será realizado em salas de aula. As pessoas ficarão mais à vontade com a educação online como uma alternativa, o que não era tão evidente ou eficaz antes do confinamento”.

“Há uma chance de que a COVID-19 seja disruptiva de maneira positiva”, prevê Sandy Mackenzie, diretora da Copenhagen International School. Isso pode levar “as escolas a descartarem o que era obsoleto, a empregarem tecnologias de formas eficazes e a garantirem que os educadores desenvolvam as habilidades que as novas gerações necessitam para as próximas décadas”.

Desigualdades reduzidas na educação

O uso das tecnologias digitais implica um amplo acesso a elas. A pandemia destacou as desigualdades na qualidade e na acessibilidade à educação em todo o mundo, bem como o abismo digital que existe, mesmo nos países desenvolvidos. Com apenas 60% da população mundial online antes da pandemia, governos, editoras, provedores de tecnologia e operadores de redes tiveram que trabalhar juntos para permitir que os educadores forneçam educação assíncrona e síncrona online para o maior número possível de estudantes em todo o mundo.

Um programa que faz isso é o Learning Passport(link is external), uma plataforma digital de ensino a distância, originalmente desenvolvida para crianças deslocadas e refugiadas pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), em colaboração com a Microsoft. Previsto para começar como um programa-piloto em 2020 – com crianças no Kosovo, no Timor-Leste e na Ucrânia como as primeiras a experimentá-lo –, o projeto expandiu rapidamente seu alcance para incluir escolas de todo o mundo afetadas pelos fechamentos. Agora, todos os países com um currículo capaz de ser ensinado online têm acesso ao conteúdo do programa por meio de livros, vídeos, e suporte adicional aos pais de crianças com dificuldades de aprendizagem, tudo online.

Para atingir o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 4 (ODS 4(link is external)) das Nações Unidas na próxima década, esperançosamente, nós veremos mais instituições públicas e privadas se unirem para tornar nossos sistemas educacionais mais resilientes, inclusivos e equitativos para todos.

Repensar o papel do educador

O novo ambiente de ensino a distância fez com que os educadores tivessem que pensar criativamente sobre o conteúdo e sobre as melhores maneiras possíveis de ensinar online. Isso fornece o elemento catalisador para se repensar o papel do educador, ao mesmo tempo em que agrega valor ao que é ensinado.

Essa experiência também tem nos mostrado que há potencial para flexibilidade na forma como a educação é ministrada – para se criar alternativas aos formatos e às estruturas educacionais mais tradicionais. Educadores e pais têm observado que alguns de seus estudantes ou filhos estão florescendo no novo contexto. Isso pode levar ao desenvolvimento de um ensino a distância mais sofisticado, ou a opções de aprendizagem mista para estudantes que preferem essa experiência educacional.

A crise atual tem tido como resultado uma revolução digital, mas também tem destacado a necessidade de se repensar o que é ensinado às futuras gerações. Mais recentemente, isso foi impulsionado por pesquisas do World Economic Forum(link is external) (e outras organizações) sobre as habilidades exigidas da força de trabalho do futuro. Essas habilidades futuras incluem habilidades cognitivas mais elevadas de empreendedorismo, criatividade e inovação, assim como habilidades de inteligência social e emocional – como resiliência, adaptabilidade e mentalidade de crescimento.

Para solucionar alguns dos desafios mais prementes do mundo no futuro, será necessário que a educação se concentre no desenvolvimento dessas habilidades.

Redefinir como será a educação para as gerações futuras no mundo pós-COVID-19 exigirá esforços combinados das várias partes interessadas. Elas terão que refletir de forma exaustiva e honesta sobre as questões envolvidas e, em seguida, colocar em prática as ações necessárias para resolvê-las.

 

Descubra a Coalizão Global de Educação, uma parceria multissetorial lançada pela UNESCO para facilitar modalidades adequadas de ensino a distância a todos os estudantes durante a crise de saúde, garantindo assim que a #AprendizagemNuncaPara

 

Fonte: UNESCO

Autor: Juan Carlos da Silva

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